Estava eu sentada na recepção da escola, esperando o Beto terminar suas atividades. Para que o tempo a esperar fosse mais agradável, levei o livro que estava lendo naqueles dias, "A Magia da Realidade", de Richard Dawkings. Naquele momento eu estava lendo o capítulo "Porque coisas ruins acontecem?", mais especificamente a parte em que o autor explicitava o processo de seleção natural e a luta pela sobrevivência. Uma parte especialmente interessante me chamou a atenção e provocou algumas reflexões. Na página 240 do referido livro, o autor escreve "O mundo está cheio de predadores perigosos, e é mais seguro pressupor que a lei de Murphy é verdade. Vamos traduzir isso na linguagem da seleção natural: os animais que agem como se a lei de Murphy fosse verdade tem maior probabilidade de sobreviver e reproduzir do que os que seguem a lei de Poliana."
Naquele momento eu sorri para mim mesma pela perspicácia da afirmação. É claro, é obvio. Todos os animais precisam fazer o que for necessário para garantir a sua continuidade e de sua espécie no mundo dos vivos. Faz parte de sua programação biológica e comportamental, modelada via seleção natural e experiências particulares. Sem o desenvolvimento, seleção e aprimoramento dessas estratégias, nem mesmo uma geração de um grupo de animais seria possível, uma vez que não daria tempo para reproduzir e dar continuidade ao ciclo da vida.
No entanto, em seguida isso me entristeceu e me enraiveceu. Lembrei-me de uma constatação sobre mim mesma que comentei com suas conhecidas: Estou perdendo minha inocência, ou seja, a minha tendência a confiar cegamente nas pessoas. Sinto que isso está ocorrendo porque tenho visto e presenciado muita "sujeira" nas relações interpessoais que são estabelecidas todos os dias. Todos os dias eu vejo ou presencio alguém prejudicando outra pessoa para beneficiar apenas a si mesma ou os "seus", isso quando o mau-feito não ocorre apenas para acariciar egos doentes e perdidos, que precisam diminuir seus iguais para sentirem-se bem no mundo.
Alguém pode estar pensando: "Tá, e daí? É a lei da sobrevivência, não? A seleção natural não é exatamente isso? A lei dos mais fortes?" Pois é... Justamente essa falsa interpretação da seleção natural me angustia e provoca a minha mais profunda irritação, pois essa máxima é também chamada no cotidiano como "Lei da Selva". Captaram as razões de minha tristeza e indignação?
PORRA! Não precisava ser assim, não deveria ser assim entre nós, seres humanos. Se estamos aqui ainda, sobre a face do planeta, é porque a natureza possibilitou, também por meio da seleção natural, que desenvolvêssemos um cérebro capaz de processar as informações do ambiente de tal modo que possamos representar a realidade e, com isso, construir instrumentos que facilitem nossa vida. Esse mesmo cérebro, em algum lugar remoto de nossa história evolutiva, possibilitou que um grupo de humanoides percebessem que a união e a colaboração entre iguais aumentam a chance de sobrevivência e manutenção de nossa existência sobre a Terra.
O que estou tentando expressar é que não somos como animais selvagens, mas agimos como se fôssemos. com tudo e com todos. o modo de produção e o modo de vida que construímos nos leva a acreditar que o outro é nosso inimigo e quer nos prejudicar. Também nos faz acreditar que se queremos continuar a existir, é necessário se antecipar e se proteger. Às vezes é pior, porque, segundo dizem por aí: "A melhor defesa é o ataque" (¬¬'). O individualismo assumiu tal proporção que nos emburreceu a ponto de nos fazer esquecer ou ignorar o que realmente fará com que a espécie humana persista na Terra e no Universo: o respeito, a justiça e a autonomia. Me entristece muito ver a humanidade tão atordoada, desamparada, embotada, entorpecida... Me entristece, sim, pois dessa forma caminhamos a passos largos para nossa extinção, quando poderíamos, ainda, continuar existindo e fazendo coisas boas, uteis, que fizessem nossas vidas mais confortáveis, saudáveis, justas, igualitárias - mais humanas.