Busca Insensata

Buscando a si mesmo fora de si o ser se perde, se aliena, se escraviza... Retira de si mesmo o poder por sua jornada, se descontrola, enlouque. Diante da imensidão da vida, somos ainda menores que um grão de areia na praia ou no fundo do oceano... Somos poeiras cósmicas, incapazes de compreender nossa real dimensão no Universo. Porque enlouquecer desvelando a Vida, quando ainda há tanto do próprio ser a ser desvelado?

segunda-feira, julho 23

Dias Selvagens




Estava eu sentada na recepção da escola, esperando o Beto terminar suas atividades. Para que o tempo a esperar fosse mais agradável, levei o livro que estava lendo naqueles dias, "A Magia da Realidade", de Richard Dawkings. Naquele momento eu estava lendo o capítulo "Porque coisas ruins acontecem?", mais especificamente a parte em que o autor explicitava o processo de seleção natural e a luta pela sobrevivência. Uma parte especialmente interessante me chamou a atenção e provocou algumas reflexões. Na página 240 do referido livro, o autor escreve "O mundo está cheio de predadores perigosos, e é mais seguro pressupor que a lei de Murphy é verdade. Vamos traduzir isso na linguagem da seleção natural: os animais que agem como se a lei de Murphy fosse verdade tem maior probabilidade de sobreviver e reproduzir do que os que seguem a lei de Poliana."

Naquele momento eu sorri para mim mesma pela perspicácia da afirmação. É claro, é obvio. Todos os animais precisam fazer o que for necessário para garantir a sua continuidade e de sua espécie no mundo dos vivos. Faz parte de sua programação biológica e comportamental, modelada via seleção natural e experiências particulares. Sem o desenvolvimento, seleção e aprimoramento dessas estratégias, nem mesmo uma geração de um grupo de animais seria possível, uma vez que não daria tempo para reproduzir e dar continuidade ao ciclo da vida.

No entanto, em seguida isso me entristeceu e me enraiveceu. Lembrei-me de uma constatação sobre mim mesma que comentei com suas conhecidas: Estou perdendo minha inocência, ou seja, a minha tendência a confiar cegamente nas pessoas. Sinto que isso está ocorrendo porque tenho visto e presenciado muita "sujeira" nas relações interpessoais que são estabelecidas todos os dias. Todos os dias eu vejo ou presencio alguém prejudicando outra pessoa para beneficiar apenas a si mesma ou os "seus", isso quando o mau-feito não ocorre apenas para acariciar egos doentes e perdidos, que precisam diminuir seus iguais para sentirem-se bem no mundo.

Alguém pode estar pensando: "Tá, e daí? É a lei da sobrevivência, não? A seleção natural não é exatamente isso? A lei dos mais fortes?" Pois é... Justamente essa falsa interpretação da seleção natural me angustia e provoca a minha mais profunda irritação, pois essa máxima é também chamada no cotidiano como "Lei da Selva". Captaram as razões de minha tristeza e indignação?

PORRA! Não precisava ser assim, não deveria ser assim entre nós, seres humanos. Se estamos aqui ainda, sobre a face do planeta, é porque a natureza possibilitou, também por meio da seleção natural, que desenvolvêssemos um cérebro capaz de processar as informações do ambiente de tal modo que possamos representar a realidade e, com isso, construir instrumentos que facilitem nossa vida. Esse mesmo cérebro, em algum lugar remoto de nossa história evolutiva, possibilitou que um grupo de humanoides percebessem que a união e a colaboração entre iguais aumentam a chance de sobrevivência e manutenção de nossa existência sobre a Terra. 

O que estou tentando expressar é que não somos como animais selvagens, mas agimos como se fôssemos. com tudo e com todos. o modo de produção e o modo de vida que construímos nos leva a acreditar que o outro é nosso inimigo e quer nos prejudicar. Também nos faz acreditar que se queremos continuar a existir, é necessário se antecipar e se proteger. Às vezes é pior, porque, segundo dizem por aí: "A melhor defesa é o ataque" (¬¬'). O individualismo assumiu tal proporção que nos emburreceu a ponto de nos fazer esquecer ou ignorar o que realmente fará com que a espécie humana persista na Terra e no Universo: o respeito, a justiça e a autonomia. Me entristece muito ver a humanidade tão atordoada, desamparada, embotada, entorpecida... Me entristece, sim, pois dessa forma caminhamos a passos largos para nossa extinção, quando poderíamos, ainda, continuar existindo e fazendo coisas boas, uteis, que fizessem nossas vidas mais confortáveis, saudáveis, justas, igualitárias - mais humanas.